quinta-feira, 1 de setembro de 2011

REDIRECIONANDO A VAIA – UMA NOITE EM 67


Por Cláudio Kaz

Como muitos projetos, inclusive em nossa vida, às vezes não pensamos nas devidas proporções que algo poderá alcançar. Os festivais que aconteceram no Brasil nos anos 60 eram apenas para “acontecer”.  Apenas para cobrir a grade de programação das emissoras. Palavras de Solano Ribeiro. Idealizador dos festivais. Como as primeiras edições foram um sucesso, as outras resolveram também copiar a idéia e fazer também. E, segundo Paulinho Machado de Carvalho, grande nome da TV brasileira e diretor de alguns festivais, tudo começou com um ato que, hoje é comum para nós, porém na época não era. Nos estádios de futebol se filmava apenas o campo. Depois se teve a brilhante idéia de se mostrar os torcedores e conseqüentemente a tribuna de honra dos estádios. Eis quem estava lá com “uma senhora, que não era sua senhora”, o presidente da Federação Paulista de Futebol. Num acesso de fúria pela saia justa em que foi colocado, mandou cancelar a transmissão dos jogos do campeonato paulista. Com isso, ficou-se uma brecha na grade das emissoras.
                Logicamente, entre vários festivais que aconteceram, um se destacou plenamente por diversos motivos. Motivos estes que vão do político ao cultural. Uma noite em 67, dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil, é um ótimo documentário sobre um festival que marcou a música popular brasileira e também a vida política do brasileiro. O filme fala sobre o III Festival de Música Popular Brasileira na TV Record em 1967.
                O festival de 67 também foi feito para cobrir grade, assim como as outras edições e outros festivais de emissoras diferentes. Porém esse tornou uma dimensão maior com o passar dos anos. Surgimento do Tropicalismo, ascensão de Chico Buarque, presença de Roberto Carlos (considerado um artista “menor” por fazer jovem guarda) e a famosa cena em que Sérgio Ricardo, irritadíssimo com as vaias, quebra o violão e o atira na platéia.
                O festival aconteceu num momento em que a situação não era nada animadora. Com a posse de Costa e Silva e a constituição de 67, os militaram queriam tornar lei várias medidas dos atos institucionais até aquele momento. O movimento estudantil fervia por trás de tudo. E era exatamente esse público que era maioria nos festivais. O diretor fazia com que os festivais fossem, segundo suas palavras, luta livre. Ou um bang-bang, onde se tinha, o herói, a heroína, o vilão, etc. estimulando cada vez mais o publico, que por vezes vaiava em fúria!
                A vaia foi “institucionalizada. Era tão comum (ou podemos dizer necessário?) vaiar, que existia uma torcedora que se vestia de “vaia”!? Em sua roupa tinha um “U” escrito. E os próprios produtores do festival que estimularam esse comportamento. Zuza Homem de Melo, na época trabalhando como responsável pelo som, em uma conversa com o engenheiro do programa pediu permissão para se implantar microfones no teto do Teatro para que o público em casa senti-se a vibração do evento.
                Numa época em que não se podia extravasar suas idéias, nada melhor que vaiar músicas que não diziam, pelo menos subjetivamente, aquilo que todos queriam ouvir. Muitos dizem que isso era inconsciente. Como se o público direcionasse a sua raiva reprimida e as descontasse no evento. Por exemplo, uma torcida organizada foi ao teatro única e exclusivamente para vaiar Roberto Carlos. Havia uma distinção entre MPB e música jovem. E os dois não se batiam. A Jovem Guarda era, segundo o pessoal da MPB, o imperialismo norte americano. Tinha-se a necessidade resgatar o íntimo da cultura brasileira. Com isso, com tantos motivos para se protestar, fizeram um protesto contra a guitarra elétrica. Símbolo maior do tal imperialismo. Interessante frisar no depoimento de Caetano Veloso que ele ficou com Nara Leão da sacada do Hotel Danúbio em São Paulo, olhando bestificado toda aquela bobagem, enquanto Gilberto Gil (também fundador do Tropicalismo) carregava faixa lá em baixo com outros artistas. O próprio Tropicalismo era essa fusão entre regionalismos brasileiros e rock and roll mundial. Ou nas palavras atuais de Gil: “era Luiz Gonzaga com Beatles.” Porém, na época, para ele fazia sentido se protestar contra isso. Por exemplo, para o jornalista Chico de Assis, a guitarra elétrica trazia “lixo musical” para o Brasil. As gravadoras internacionais estavam loucas para desembarcar seus artistas de segunda linha no mercado fonográfico brasileiro. E segundo Chico, não era Led Zepelin nem Frank Zappa. Esses sim tinham qualidade para vender no mundo inteiro. Era material ruim, que por motivos comerciais talvez atrapalhasse o desenvolvimento da produção musical brasileira.
                Para Caetano, implantar a guitarra elétrica tornou-se uma decisão política. A liberdade de expressão musical. Até as roupas eram forma de protesto. Com as reuniões do Tropicalismo na mesma época, as apresentações dos Mutantes com Gilberto Gil defendo Domingo no Parque foi um marco na música. Assim como os Beach Boys (conjunto argentino de rock and roll) juntamente com Caetano Veloso defendendo Alegria, Alegria. Suas roupas extravagantes e coloridas já chocavam de antemão. E faziam com que Chico Buarque e Edu Lobo, que se apresentavam de smoking, ficassem mais “velhos”. Apesar de seus 20 e poucos anos.
                O festival teve a seguinte classificação:
1.       Ponteio (Edu Lobo – Capinan), defendido por Edu Lobo e Maria Medalha.
2.       Domingo no Parque (Gilberto Gil), defendido por Gilberto Gil e Os Mutantes.
3.       Roda-Viva (Chico Buarque), defendida por Chico Buarque e MPB4.
4.       Alegria, Alegria (Caetano Veloso), defendida por Caetano Veloso e Beach Boys.
5.       Maria Carnaval e Cinzas (Luiz Carlos Paraná), defendido por Roberto Carlos.
6.       Gabriela (Francisco Mourão), defendida por MPB4.
Após o festival, várias artistas se consagraram. Como sempre, apesar de todo o sentido “transcendental” que o festival representou para muitos, alguns artistas se assustaram com o comércio que se formou em cima de tudo. A partir daí, Edu Lobo, por exemplo, se refugiou na França, para diminuir o Frisson que se fez em cima de sua imagem. Não gostava da proporção em que tudo se tornava. Principalmente quando descobriu que pessoas apostavam dinheiro nas músicas. “Virei um cavalo de corrida”. Dizia Edu Lobo.
Os festivais continuaram acontecendo até meio dos anos 80, porém de 68 pra cá, as situação se apertou e de 70 em diante os festivais se tornaram aquilo que se esperava deles. Programa de televisão.




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